A Corista e outras histórias, Tchekhov

É muito bom começar uma leitura sem muitas espectativas. Assim comecei a minha primeira leitura do Tchekhov. Mesmo com o renome que o autor  tem no mundo literário e teatral, consegui ler como se nada soubesse do russo. Aliás, quando comprei esse singelo livro, tudo o que queria era vencer um mau humor inoportuno. Era uma hora da manhã e eu não queria dormir muito tarde por conta da ranzinzice. Comprei então na Amazon.br o ebook, aproveitando o preço razoável e a minha ânsia por novidade naquele momento. A L&PM tem uma coleção de bolso de livros de 64 páginas, ótimos para pequenas introduções a autores ou temas. A compra em questão faz parte desta seleção, e se chama “A Corista e outras histórias”. Foi a melhor coisa que fiz aquela noite. Com a qualidade do texto, meu humor mudou da água para o vinho. Um bom vinho.

Em oito contos, o pequeno livro me encantou como raramente acontece. São histórias cotidianas ambientadas em diferentes meios sociais. Em quase todos eles, um humor fantástico e uma melancolia que não chega a ser desasperadora. Separar poucos trechos em que ironia e observações finas se destacassem foi difícil. Não consegui. Destaquei muitos excertos, alguns por serem ainda atuais e outros por constituírem análises da sociedade russa pré-revolucionária.

O trecho abaixo eu assinaria embaixo, se tivesse o talento dele. A citação é de “A dama do cachorrinho”. Mas é assim que me sinto em meio a uma paisagem como a descrita:

A folhagem das árvores estava quieta, cigarras cantavam e o ruído surdo e monótono do mar, vindo de baixo, falava de repouso, do sono eterno que nos espera. Esse barulho já se fazia ouvir ali quando não havia nem Ialta, nem Oreanda; ele se faz ouvir agora e será assim também no futuro, surdo e indiferente, quando nós não mais existirmos. E nessa constância, nessa completa indiferença em relação à vida e à morte de cada um de nós, esconde-se, talvez, a garantia de nossa salvação eterna, do incessante movimento da vida na terra, do seu contínuo aperfeiçoamento.

  O trecho abaixo é bem datado, mas diz tanto sobre a Rússia pré-revolucionária que é uma delícia para historiadores e apreciadores do conhecimento histórico em geral. Condição feminina e servil (originalmente, cossacos eram servos fugitivos) retratados uma comparação no conto “A noiva”, de 1903. 

A alegria de repente lhe tirou o fôlego: ela se deu conta de que ia embora para se libertar, para estudar, e isso equivalia ao que antigamente se chamava juntar-se aos cossacos. Ela ria, chorava e rezava, tudo ao mesmo tempo.

 

  

Parabéns à L&PM pela seleção e edição bem cuidada. As 30 notas de pé de página foram de suma importância para quem ainda está começando a se aventurar na literatura russa. Se Vladimir Nabokov estava certo ao afirmar que o Tchekhov era muito repetitivo, eu não sei. Ainda. Mas a excelência da amostra me fez querer ler o que tiver ao meu alcance do autor, pra quem sabe discordar do russo.

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