Dragões

Apesar do nome do post, não vou falar genericamente sobre dragões. O assunto aqui é a coletânea lançada em 2012 pela Editora Draco. A Draco é uma pequena editora nacional especializada em literatura fantástica e voltada para a produção brasileira. Particularmente não gosto das capas dos livros, e acho os preços dos livros físicos caros (o que se justifica um pouco pela pequena distribuição alcançada). Mesmo assim,aposto na editora – e os preços dos ebooks serem bem mais praticáveis ajuda muito nessa aposta. Aposto por duas razões. A primeira é que não acharia digno uma fã de literatura fantástica não querer conhecer a produção nacional. Não se trata de ufanismo puro, mas de não me permitir vira-latice. A segunda é a qualidade média dos contos lançados pela editora já lidos por mim. A maioria tem a qualidade necessária para eu não achar que perdi meu tempo, sendo boa literatura de entretenimento. E alguns contos são realmente bons, alguns bonitos, outros provocando reflexões.

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Voltando agora ao livro, ele foi lançado em 2012, ano do Dragão no horóscopo chinês e terceiro ano de atividade da editora. São dezesseis contos reunidos por Erick Santos Cardoso e Marco Rigobelli, dos quais apenas dois não gostei muito.Engana-se quem pensa em dragões e os associa unicamente a cavaleiros medievais lutando contra as bestas a fim de libertar princesas indefesas. Na coletânea, encontram-se policiais, romance histórico, tragédia – todos misturados com fantasia. No livro encontram-se reflexões sobre como a ambição humana pode ser desenfreada, como o amor pode curar, como algumas relações podem estar fadadas ao fracasso. Encontram-se ainda a angústia de se não se ajustar à sua sociedade, a evocação de poderes maiores do que se pode controlar. E, claro, releituras de clássicos sobre dragões, como seu poder de controle sobre a mente humana e sua lendária ferocidade.

Em Coronel Mostarda, Flávio Medeiros Jr homenageia a um só tempo o jogo Detetive e os mitos nacionais e internacionais, numa trama que mistura amor paternal, mistério e ambição.

Em O negro, Albarus Andreos nos transporta à Roma Antiga, divertindo e mostrando o quão perigosa pode ser a evocação de alguns poderes.

Temos um dragão medieval em A dama das ameixas, de Karen Alves, mas um conto de fadas moderno.

Com um Dragão no porão, Eduardo Barcelona Alves nos faz lembrar dos velhos mitos sobre dragões controlando mentes humanas, com final sempre trágico.

Pablo Amaral Rabello, em O buraco dos malditos, narra as desventuras de um documentarista querendo captar um dragão com suas lentes.

Mistérios, mentiras e dragões, de Elsen Pontual Sales Filho, proporciona bom entretenimento, a partir de dragões, máfia e, claro, mistério.

Ana Cristina Rodrigues também proporciona uma boa distração em seu romance histórico fantástico, O primeiro dia da primavera, passado numa mítica Burgúndia medieval.

Antonio Luiz M. C. Costa nos transporta à Atlântida em O recrutamento da mulher-dragão, com um belo conto sobre dificuldade de se ajustar.

O mais louco dos surrealistas, de Bruno Oliveira Couto, tem como tema principal a solidão nas grandes cidades,e só sutilmente percebe-se a presença mítica.

Alec Silva entretém com Ninho de dracogrifos, mostrando a dificuldade de algumas relações, que em muitos casos terminam em tragédia.

Em Operação rastro rubro, Ana Carolina Pereira narra de forma envolvente uma releitura do clássico dragão rapta princesa, com personagens cativantes e um final divertido.

Marco Rigobelli escreveu um conto inusitado em As mulheres da minha vida, em que a presença de dragões é realizada de uma forma nada usual.

André S. Silva nos brinda com um belo conto, Salve Jorge, em que apresenta uma bela versão do mito do santo.

Hoffman & Long, de Cirilo S. Lemos, mistura ação e romance numa realidade completamente mítica.

Capeta, de Kássia Monteiro, é um bonito conto sobre a relação de um filhote de dragão e sua dona.

Hc svnt dracones, de Nilton Braga, é outro belo conto. Dessa vez, uma bela explicação para a inscrição “Hc svnt dracones” do mapa mundi de Fra Mauro. Aqui a legendária sabedoria dos dragões encontra a história do conhecimento humano.

Em Drakkan, de Nuno Almeida, temos um belo conto de tema medieval, em que dragões são usados como armas.

Carina Portugal escreveu um belo conto em A Alma dos Mil Nomes, nos transportando para a Grécia Antiga numa mitológica história de traição.

Em Novo voo, Josué de Oliveira faz um conto de puro entretenimento em uma sociedade em que homens composta por homens e animais. Bem construída a ideia de como essa sociedade surgiu.

Vitor Frazão proporciona uma divertida leitura com o seu Posso ficar com ele? Divertido mas que poderia ser um pouquinho maior, com uma maior exploração da relação dos Leitores com a Biblioteca.

Temos em A conquista da Forja, de Leandro Leme, um razoável conto de caça ao tesouro.

Devorados, do organizador Erick Santos Cardoso,  fecha de forma satisfatória a coletânea, com um bom conto em que se destaca a luta entre mérito e berço.

Cômputo geral, o livro leva quatro de cinco estrelas. Aliou bom entretenimento na grande maioria dos contos com algumas questões que nos movem. Sem esquecer, é claro, da diversidade de temas, contrariando o preconceito de que um livro sobre dragões mostraria dezesseis variações de cavaleiro-salvando-mocinha. Contrariando também o preconceito de que autores nacionais não fazem boa literatura fantástica, fazem apenas cópia do produzido lá fora. Recomendo a leitura a fãs de fantasia, e alguns contos, como Hc svnt dracones recomendo a quem não é fã de dracologia.

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