Para quem não é fã do Tolkien, explico: anos atrás, em 2003, a Tolkien Society (fã clube inglês) instituiu um Dia de Ler Tolkien (assim como existe o “bloomsday”, dia de ler James Joyce – especialmente Ulysses). Perguntaram para integrantes da Tolkien Society se não existiria um dia equivalente ao “bloomsday”. Eles gostaram da ideia e pensaram numa data: 25 de março, dia em que Sauron foi derrotado no Senhor dos Anéis.
Tradicionalmente, fã clubes se reúnem para ler trechos e comentá-los. Vou fazer uma ação mais solitária: um post com trechos do Silmarillion, livro que estou relendo.

O Silmarillion é a porta de entrada para os livros escritos pelo Tolkien e publicados pelo filho, Cristopher. Em vida, Tolkien só publicou O Hobbit e o Senhor dos Anéis. O Silmarillion foi escrito ao londo da vida do autor, e nunca foi acabado. Seu filho publicou-o quatro anos após a morte do pai, em 1977. É uma colcha de retalhos com uma costura muito tênue, o que dificulta a leitura, o acompanhamento da história. A primeira vez que li, fiz uma leitura muito espaçada, o que compremeteu a compreensão da história como um todo. Só a partir da primeira releitura é que comecei a compreender realmente. Atualmente, estou lendo-o pela quarta vez e é o meu preferido do Tolkien. É o mais poético, o que tem menos descrições cansativas (que hoje em dia adoro, mas…), o livro que tem as melhores histórias.
O tema do livro é a Terra Média no momento em que os elfos são os Filhos de Ilúvatar predominantes: é a história deles, e seus primeiros contatos com os homens. E óbvio, a luta deles contra um grande vilão, Mergoth (ou Melkor), um sujeito que faz o Sauron parecer inofensivo. Aliás, é o antigo chefe do Sauron. Apesar dos elfos serem o tema central, o livro tem como tema inicial a cosmogonia criada por ele, a criação do mundo: Ainulindalë. É a música dos Ainur (os Sagrados), primeiras criações de Eru, o Ilúvatar (“Deus”). É a partir dessa música que o mundo é criado. Separei alguns trechos para compartilhar com vocês:
Disse-lhes então Ilúvatar – A partir do tema que lhes indiquei, desejo agora que criem juntos, em harmonia, uma Música Magnífica. E, como eu os inspirei com a Chama Imperecível, vocês vão demonstrar seus poderes ornamentando esse tema, cada um coms seus próprios pensamentos e recursos, se assim o desejar. Eu porém me sentarei para escutar; e me alegrarei, pois, através de vocês, uma grande beleza terá sido despertada em forma de melodia.
(…)
Então, os temas de Ilúvatar serão desenvolvidos com perfeição e irão adquirir Existência no momento em que ganharem voz, pois todos compreenderão plenamente o intento de Ilúvatar para cada um, e cada um terá a compreensão do outro; e Ilúvatar, sentindo-se satisfeito, concederá a seus pensamentos o fogo secreto.
(…)
Contemplem sua Música! – E lhes mostrou uma visão, dando-lhes uma imagem onde antes havia somente o som. E eles viram um novo Mundo torna-se visível a seus olhos; e ele formava um globo no meio do Vazio, e se mantinha ali, mas não pertencia ao Vazio. E, enquanto contemplavam perplexos, esse Mundo começou a desenrolar sua história, e a eles parecia que o Mundo tinha vida e crescia. E, depois que os Ainur haviam olhado por algum tempo, calados, Ilúvatar voltou a dizer – Contemplem sua Música! Este é seu repertório. Cada um de vocês encontrará aí, em meio à imagem que lhes apresento, tudo aquilo que pode parecer que ele próprio inventou ou acrescentou. E tu, Melkor, descobrirás todos os pensamentos secretos de tua mente e perceberás que eles são apenas uma parte do todo e subordinados à sua glória
(…)
Ilúvatar aos Ainur:
Conheço o desejo em suas mentes de que aquilo que viram venha na verdade a ser, não apenas no pensamento, mas como vocês são e, no entanto, diferente. Logo, eu digo: Ëa! Que essas coisas Existam! E mandarei para o meio do Vazio a Chama Imperecível; e ela estará no coração do Mundo, e o Mundo Existirá; e aqueles de vocês que quiserem, poderão descer e entrar nele
Eis a inspiração para o novo nome do blog. Esse capítulo lindo, poético, fantástico.
Edição usada: TOLKIEN, J.R.R. & TOLKIEN, Christopher (org.) O Silmarillion. São Paulo: Martins Fontes, 1999.