Há 125 anos atrás, nascia o velho chato mais amado por mim: Tolkien. Muito talentoso, mas muito chato (o que fica evidente nas biografias e nas cartas). Mas não me interessa tanto o Tolkien pessoalmente, e sim o escritor. Reconheço todos os defeitos das suas obras, mas continua sendo o meu preferido, dentro da cultura pop. E sigo comprando e lendo as suas obras, sendo elas ambientadas na Terra Média ou não. “Ferreiro de Bosque Grande” enquadra-se na categoria das obras não ambientadas na Terra Média, e a li de ontem para hoje em homenagem ao aniversário do meu ranheta preferido.

“Ferreiro de Bosque Grande” é um conto infantil delicioso, justamente sobre um Ferreiro que mora em Bosque Grande, uma fictícia vila medieval. Em pouco mais de quarenta páginas, Tolkien nos conta as aventuras desse Ferreiro pela Terra-Fada, e a relação dele com a sua aldeia. Muito simples, mas deliciosamente executado. Vários dos temas tolkenianos aparecem no conto: velhice, modernidade, arrogância, comunidade, dentre outros. Confesso que alguns deles eu não tinha percebido de primeira, mas a edição me ajudou: os extras preenchem espaço maior do que o conto.
Para quem, como eu, gosta de ler ensaios sobre a obra, essa edição é um prato cheio. São dois: um posfácio do editor Verlyn Flieger (professor de Mitologia Comparada) e outro do próprio Tolkien. Lendo os ensaios, me dei conta de que alguns temas tolkenianos se encontram no conto – mas de uma forma sutil, como sempre. Tolkien realmente não gostava de conduzir a interpretação do leitor, e alguns de seus temas queridos aqui se apresentam de forma não óbvia. Além desse cuidado, outra obsessão dele é observada tanto no conto como nos extras: o cuidado com o uso da linguagem. Filólogo, nenhum nome é aleatório, nenhuma palavra foi parar por ali ao acaso. Perfeccionista, não existem tramas com pontas soltas (a não ser que ele queira deliberadamente omitir algo). Fazem parte dos apêndices, aliás, alguns dos rascunhos da obra, bem como seu ensaio de origem (a história começou quando escrevia um prefácio).

Tenho duas edições do livro: a brasileira, da Martins Fontes, e a inglesa, da Harper Collins. A inglesa tem duas vantagens: a primeira é a galeria de ilustrações da segunda edição, cortada na edição brasileira. A segunda é que o final do livro tem notas que se referem a diversos trechos do livro: a revisão da Harper Collins foi minuciosa na correspondência, já a brasileira peca um pouco. Correspondência: não são notas tradicionais, mas são pequenas elucidações referentes a páginas do livro. E a Martins Fontes pecou na revisão da correspondência. Mas só mesmo um fã para ter duas edições do mesmo livro. A da Martins, não fosse por esses dois detalhes, ia ser 100%. E é uma edição fundamental para quem, como eu, ainda tem dificuldade para ler Tolkien no original.
Enfim, para quem gosta de contos que se passam na Terra das Fadas e para quem gosta de ensaios sobre esses contos, um prato cheio. Altamente recomendado.